quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Resumo de Estudo - Direito Processual Civil - Juizado Especial Civel

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL


O juizado especial cível é um órgão do nosso Poder Judiciário que nasceu com a sanha de promover a conciliação e julgamento envolvendo causas de menor complexidade.

Com o advento da criação dos Juizados Especiais Cíveis através de lei 9099/95, doravante abreviados como JEC’s, houve um elevado aumento da perspectiva de acesso ao Poder Judiciário, aquele que antes era conhecido como “pequenas causas” acabou transformando-se no JEC, cuja pretensão era esta mesma, facilitar o acesso ao Judiciário.

O JEC, pela sua própria natureza, tem a pretensão de ser um braço do Poder Judiciário que possui cerne na simplicidade, isto é, tem a pretensão de que o seu conteúdo e procedimentos sejam tanto acessíveis como inteligíveis a todas as pessoas. Malgrado exista sim este propósito, bem da verdade, a própria cultura do brasileiro vai de encontro a esta perspectiva, bem como, até para quem não é leigo existem muitas peculiaridades da lei que dão azo a discussões mais aprofundadas.

Feito estas considerações iniciais, vamos ao estudo dos aspectos importantes acerca da matéria tangível ao JEC.

Quem pode promover uma ação no JEC? Em regra, somente pessoas físicas podem promover ações junto ao JEC, no entanto, atualmente tem-se admitido que pequenas empresas, que ostentam o ME – micro empresa – bem como em alguns casos, até condomínios, intentem ações através dele. Isto se dá porque a natureza do JEC está ligada a conceitos de praticidade, informalidade e simplicidade, existem, inclusive, divergências de entendimentos nos Juizados de diferentes locais, Estados, mas nada que não possa ser submetido ao crivo do Supremo em eventual desapego a norma constitucional. É que, se presa antes pela celeridade e praticidade da resolução das causas de menor complexidade, bem como pela promoção da facilidade do acesso ao Judiciário.

Qualquer ação pode ser ajuizada no JEC?


Art. 3º da lei 9099/95: O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;
II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;
III - a ação de despejo para uso próprio;
IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.
§ 1º Compete ao Juizado Especial promover a execução:
I - dos seus julgados;
II - dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo, observado o disposto no § 1º do art. 8º desta Lei.§
2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.
§ 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.
Conforme infere-se em análise ao artigo que versa sobre as ações que podem ser ajuizadas no JEC, verificamos que além do critério de valor, 40 salários mínimos, existem critérios de matéria.

Como o que foi dito, logo no inicio da redação da lei 9099/95 já se agigantam algumas proposições capazes de levantar discussão, como, por exemplo, a eleição das ações destacadas no artigo 275 do CPC como passíveis de ajuizamento no JEC. Elas estão limitadas ao critério de 40 salários? Quando alguém ajuíza uma ação maior que 40 salários o que acontece? O rol de ações que podem ser promovidas no JEC é taxativo ou exemplificativo?

Sim, as ações ajuizadas no JEC estão limitadas a 40 salários mínimos, independente de serem as destacadas no artigo 275 do CPC, ainda, quando se ajuíza uma ação que supere o valor de 40 salários mínimos, ocorre o que a doutrina chama de renúncia implícita, isto é, ocorre a renúncia do valor sobressalente aos 40 salários mínimos. Desta ceara, há que se falar que o entendimento predominante é de que o rol de ações ajuizáveis no JEC apresentado pela lei é taxativo, nesta esteira, não se pode admitir que, como por exemplo, no caso do despejo pra uso próprio, utilize-se do JEC para promover uma ação análoga que não seja exatamente para este fim. No entanto, não pode ser desconsiderado o caráter informal do JEC, é possível sim que existam Juizados onde o entendimento seja diverso, sem, contudo, afrontar diretamente o conteúdo da norma, eis que trata-se de um entendimento majoritário e não uma regra imperiosa. O JEC também é competente para julgar execuções de seus julgados, bem como promover a execução de títulos extrajudiciais, respeitado a regra do critério de valor.

No JEC é possível promover ação sem advogado? Sim, até 20 salários mínimos não é necessário advogado, no entanto, quando o juiz verificar a necessidade de produção de provas, bem como diante de alguma peculiaridade atinente ao caso, nomeará um advogado para promover a defesa.

O JEC é obrigatório? Não, diferente do que o corre no Juizado Especial Federal, o JEC não é obrigatório. Nada impede que a causa que se adéqüe ao JEc seja ajuizada na Justiça Comum.

Cabe ação rescisória e mandado de segurança no JEC? Quanto a ação rescisória, o entendimento é que NÃO cabe. Em primeiro lugar porque o TJ não é hierarquicamente superior ao JEC, a relações entre estes órgãos é administrativa. Em segundo lugar, há que se ponderar que, muito embora não seja possível o ajuizamento de ação rescisória, existe o entendimento de que é possível, em determinados casos, propor ação anulatória, querela nullitatis, como por exemplo na existência de uma citação invalida.
Existe o entendimento também de que é possível impetrar o mandado de segurança, no entanto, há que se considerar alguns requisitos como a ausência de recurso restante. O mandado de segurança é analisado pelo Colégio Recursal.

No JEC, preferencialmente as citações são feitas por carta, no entanto, é possível optar pela citação por Oficial de Justiça? É possível optar pela citação por edital? Citada, é obrigatória a presença da parte em audiência?

Nada obsta que a citação no JEC seja feita por Oficial de Justiça, no entanto, quanto a possibilidade de promover citação através de edital:
 Art. 18. A citação far-se-á:
...
 § 2º Não se fará citação por edital.
...
Muito embora existam aqueles que defendam, ainda com a clareza da letra da lei, que é possível promover a citação por edital no JEC, data vênia, discordo, sobretudo, diante da clareza do legislador no dispositivo de lei no sentido de não admitir temperamento ao conteúdo. Ainda, cumpre salientar que a parte deve comparecer em audiência sob pena de revelia.

No JEC, as audiências, geralmente, são presididas por um conciliador, e não pelo juiz, ainda, cumpre salientar que nas ações ajuizadas pelo JEC existe a possibilidade de fazer pedidos contrapostos, o que pela lógica, torna inócua a existência de eventual reconvenção.

Cabe intervenção de terceiro no JEC? A letra da lei não permite, contudo, existe quem defenda que em alguns casos onde a intervenção não torne a causa complexa é possível sim permitir a intervenção. Na ocasião de uma prova discursiva isto poder ser pontuado, principalmente, pois, ante ao caso concreto, muitas vezes é o caminho mais simples do que, a contrário sensu do espírito criador do JEC, reiniciar a causa na justiça comum.

É possível invocar tutelas de urgência? Sim, no entanto, há de ser observado o mesmos critérios atinentes a justiça comum, isto é, dentre eles, a demonstração da iminência de um dano.

Quais são os recursos cabíveis no JEC? Inspirado pelos princípios de praticidade e celeridade, o legislador diminuiu a possibilidade de recursos em se tratando de Juizado Especial Civel, isto é, somente existem dois recursos cabíveis no JEC, qual sejam, embargos de declaração, que tem o prazo de 5 dias e, diferente do que ocorre na justiça comum suspende o prazo para os demais recursos, e o recurso inominado, que tem o prazo de 10 dias, funciona nos moldes de uma apelação, tem preparo, mas é julgado pelo Colégio Recursal.
Ainda, existem alguns autores que defendem a existência do agravo no âmbito do JEC, bem como, é importante salientar que ante um acórdão emitido pelo Colégio Recursal que afronte a Constituição Federal, cabe recurso extraordinário ao STF.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Resumo de Estudo - Direito Civil - Prescrição e Decadência

Prescrição e decadência

Importante pontuar, antes mesmo de conceituar as diferenças e semelhanças destes dispositivos legais, seus respectivos conceitos básicos:

Prescrição: Tempos atrás era aclamada como o dispositivo que colocava fim a ação, no entanto, esse conceito já foi superado, isto é, levando em consideração que o direito de ação é um direito público abstrato e insubstituível, sobretudo, norteado pelo princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional, não há que se falar em prescrição pondo fim ao direito de ação. Bem da verdade e da melhor teoria, prescrição trata-se da perda de uma pretensão!

Mas o que é uma pretensão? O conceito de pretensão está relacionado a faculdade de exigir de outrem, coercitivamente, o cumprimento de um determinado dever jurídico.

O conceito de prescrição está intimamente ligado com a idéia de obrigação. Um bom exemplo seria o de alguém que eventualmente faz uma compra em um estabelecimento, consome algo e sai sem pagar, isto é, com o consumidor furtando-se da obrigação de pagar, nasce a pretensão do dono do estabelecimento de cobrá-lo acerca da sua obrigação, concomitantemente, inicia-se a contagem do prazo prescricional para que esta pessoa possa cobrá-lo judicialmente.

Há possibilidade de alteração dos prazos prescricionais? Não. Os casos de prescrição válidos são somente aqueles previstos em lei, eis que não é facultado a estipulação de prazos diferentes daqueles já existentes no direito posto. No entanto, existe a possibilidade de renunciar os prazos prescricionais postos, isto é, na eventualidade do pagamento de uma dívida prescrita, está se renunciando, por exemplo, de forma tácita, um prazo prescricional. Ainda, insta salientar que somente é possível renunciar a um prazo prescricional depois que ele é findo.

Existe obrigação de pagar uma dívida prescrita? É importante lembrar que o Direito, sobretudo, consiste em uma disciplina da convivência humana, nesta esteira, infere-se que ele caminha norteando-se por princípios éticos. Quando uma dívida acaba sendo prescrita, cessa o direito da parte credora de cobrá-la judicialmente, no entanto, não poderíamos dizer de forma alguma que cessou a obrigação de pagar. Em verdade o que ocorreu foi que uma obrigação civil, tornou-se uma obrigação natural, mas a obrigação de pagar, sobretudo, em se tratando de um dever ético para com o seu próximo, ainda existe. A razão de não existir mais a possibilidade de efetuar a cobrança judicial, tem cerne na preocupação com a segurança jurídica, o que antes de uma benesse inter partes é uma benesse geral, bem como funda-se na utilização de um dos princípios norteadores de Direito que reza: O Direito não socorre aos que dormem.

O Juiz pode declarar a prescrição de Ofício? Ele deve! No entanto, é necessário seguir alguns requisitos para que a declaração seja válida. Como anteriormente foi dito, existe a possibilidade da renúncia da prescrição, neste esteira, não é facultado ao magistrado eximir-se de intimar as partes acerca de sua pretensão, isto é, antes que o magistrado declara a prescrição de ofício, este deve intimar as partes para que se manifestem acerca da questão, o réu para que, eventualmente a renuncie e o autor para que aponte a regularidade da decisão, a propósito:

Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.

É admitida a prescrição intercorrente no âmbito civil? Como regra geral, não, mas existe uma exceção que funda-se na hipótese da inércia da parte quanto a movimentação e cumprimento dos atos necessários ao andamento do processo. Se em virtude da desídia da parte o processo ficar parado, admite-se a ocorrência da prescrição intercorrente, isto é, na hipótese do abandono processual. Esse é o entendimento atual do STJ.

Decadência: Decadência põe fim a um direito. Está relacionada a perda de um direito potestativo pela falta de seu exercício no prazo previsto em lei ou pelas partes

O que é um direito potestativo? Direitos potestativos conferem ao seu titular o poder de provocar mudanças na esfera jurídica de outrem de forma unilateral, isto é, sem que exista correspondência, mas apenas um estado de sujeição. Demonstra-se em um caso onde, por exemplo, um pessoa compra um item de alguém e este item possui um dos vícios do negócio jurídico, sobretudo, aqueles elencados no artigo 178 do Código Civil:

Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

Não somente neste caso, mas também poderíamos inferir a existência do instituto da decadência na hipótese de vício redibitório, isto é, vício oculto:

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.

Importante salientar que quanto à temática supracitada, ainda existe a proteção advinda do Código de Defesa do Consumidor, que nada obsta que em eventual defesa seja usado em conjunto com o Código Civil, sobretudo levando em consideração a tese em que se considera o diálogo das fontes.

Quais são os tipos de decadência? Existem dois, a decadência legal e a decadência convencional. Diferente da prescrição, quanto a decadência, infere-se que é possível convencioná-la, bem como permite-se que as partes eventualmente renunciem a um prazo estipulado, no entanto, isto não quer dizer que seja facultado as partes transigir acerca dos prazos estipulados em lei.

O juiz pode declarar a decadência de ofício? A decadência legal dever ser declarada de ofício, mas a decadência convencional não pode.
As hipóteses de impedimento, suspensão e interrupção da prescrição são aplicáveis a decadência? A própria legislação responde de forma inequívoca:

Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.

Contudo, há que se falar que a regra quanto a não incidência da prescrição contra os absolutamente incapazes tem sim incidência sobre o instituto da decadência, de modo que não ocorre decadência contra os absolutamente incapazes, assim como não ocorre prescrição.

Diferenças entre prescrição e decadência

Imperioso destacar que uma das formas que a didática proporciona para a assimilação da função e valor destes dois institutos, prescrição e decadência, advém da comparação, sobretudo, pois, um é muito confundido com o outro.

Miguel Reale, renomado jurista, através da teorização dos princípios norteadores do nosso Diploma civilista, nos proporcionou uma ferramenta que facilita muito a distinção entre o que é prescrição e o que é decadência dentro do nosso Código Civil, isto é, através da teoria da operabilidade.

No que consiste a teoria da operabilidade? Miguel Reale acreditava que o Direito é feito para ser executado, ainda, dizia que uma proposição legal que não cumpre esse papel é como “chama que não aquece, como luz que não ilumina”, isto é, através da teoria da operabilidade, ele nos poupou de discussões interpretativas intermináveis acerca do que é e do que não é prescrição dentro do Código Civil. Dessa forma, temos que somente é prescrição aquilo que está destacado nos artigos 205 e 206 do Código Civil, sendo que o restante dos prazos tratam-se de prazos decadenciais.

Assim como para prescrição, existem prazos gerais para decadência? Não. Existem apenas prazos especiais, neste caso, o código silenciou-se a respeito de um prazo geral acerca da decadência, mas e o artigo 179 do C.C? Este, tecnicamente não é um prazo geral, antes apenas um prazo que se refere apenas as ações anulatórias.

Quais são as ações relacionadas a decadência e a prescrição? Quando se está adiante de uma ação condenatória ou uma execução, está-se adiante de uma ação relacionada a prescrição, quando a ação for constitutiva, tanto positiva quanto negativa, está-se adiante de uma ação relacionada a decadência. No entanto, é importante destacar que, muito embora este conceito seja recorrente, nem toda ação condenatória envolve prescrição, bem como nem toda ação constitutiva envolve decadência.

Um belo exemplo onde pode-se distinguir a distinção entre prescrição e decadência, versa sobre direitos do consumidor. Estudemos o artigo 27 do CDC, ele versa sobre prescrição ou decadência?

Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Aqui podemos inferir que existe uma diferença entre a ocorrência de um fato do produto e um vício do produto. Imaginemos que da compra de um produto este vem com um vício, algo que não nos prejudicou, no entanto é motivo de substituição, na ausência de um prejuízo em virtude desta proposição aplicam-se os prazos decadenciais:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2° Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II - (Vetado).
III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.


Por outro lado, agora com certeza enxergando com mais clareza sobre o que versa o artigo 27 do CDC, na ocorrência de um prejuízo, na ocorrência do vício que acabou por causar danos, é caso de reparação, isto é, reparação em virtude do fato do produto. Pela regra supracitada acerca da natureza das ações que envolvem prescrição e decadência, podemos inferir que o artigo 27 trata, em verdade, de prescrição! Vício gera prazo decadencial, fato gera prazo prescricional.

Qual a diferença entre as proposições suspensão, interrupção e impedimento estabelecidas pelo código, em se tratando da prescrição? Simples, quanto a suspensão, o prazo é congelado e só volta a correr findo a condição suspensiva, sobretudo, de onde estava parado. Na interrupção, o prazo volta a estaca zero, portanto, reinicia, por fim, quanto ao impedimento, este é caso onde o prazo nem pode iniciar-se, a condição impeditiva não deixou o prazo correr.

Evidente que existem muitas mais proposições acerca da prescrição e decadência para serem estudadas amiúde, sobretudo, em outras matérias, no entanto, o presente estudo preocupou-se em explanar os conceitos priorizando o âmbito civil.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Resumo de estudo - Direito Constitucional - Controle de Constitucionalidade

  Controle de constitucionalidade é uma ferramenta dentro do Direito que torna possível proceder a verificação da consonância de leis e atos normativos para com a nossa Constituição Federal. É um dos temas mais importantes do Direito Constitucional, uma vez que é imprescindível para a manutenção das nossas leis ante a dinamicidade do Direito e a necessidade da existência de um método para adequação das normas do direito posto com Constituição Federal, portanto, com a vontade do poder constituinte.


Através do controle de constitucionalidade, é possível inferir se uma lei é valida ou invalida, isto é, constitucional ou inconstitucional, contudo, o controle de constitucionalidade não se aplica apenas as leis, eis que também se aplica a atos normativos como, por exemplo, a medida provisória. Um exemplo interessante para trazer à baila é o de uma medida provisória que fosse editada dispondo sobre Direito Penal, Processual Penal ou Processual Civil, isto é, frontalmente oposta ao artigo 62 parágrafo primeiro da Constituição, vejamos:

Art. 62 - Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
...
b) direito penal, processual penal e processual civil;
...

Ainda inferindo acerca do controle de constitucionalidade, per se, temos que através dele podemos identificar dois tipos de inconstitucionalidade, em tempo, formal e material.
Inconstitucionalidade material consiste em um vício no conteúdo de uma lei ou ato normativo, isto é, o dispositivo legal em questão possui algo em sua matéria que o faz inconstitucional, pois não se adéqua ao que dispõe nossa Constituição Federal. Um bom exemplo de norma inconstitucional por vício material, seria uma norma que versasse sobre a pena de morte, ou sobre uma lei que fizesse distinção racial, enfim, com proposições que são vedadas em nosso ordenamento jurídico constitucional, que não são objeto da vontade do poder constituinte, não coadunam com nossos princípios norteadores constitucionais.

Inconstitucionalidade formal, por outro lado, ocorre quando o vício está no processo de criação da norma, quando o método utilizado para seu surgimento contém irregularidades, devendo ser reprimido na medida que existe todo um pressuposto necessário para que se instale um processo de criação valido, bem como existem regras estabelecidas em nossa Constituição que versam sobre competência, forma e possibilidade de criação e modificação. Nessa esteira, podemos citar o exemplo de uma norma que surja em dissonância ao disposto no artigo 61 da Constituição Federal:

Art. 61 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
   Além dos tipos de inconstitucionalidade, é necessário estudar os tipos de controle de constitucionalidade que existem em nosso ordenamento jurídico constitucional, isto é, o controle PREVENTIVO e o controle REPRESSIVO.

   Não basta diferenciá-los, na medida em que referida divisão se dá antes por caráter metodológico e é necessário compreender seus respectivos valores quando na manutenção de nosso ordenamento jurídico. Importante destacar também quem é que faz o controle de constitucionalidade preventivo e repressivo.

Em se tratando de controle de constitucionalidade PREVENTIVO, insta nos atermos a própria semântica da proposição, isto é, trata-se de dispositivo que quer prevenir a existência de uma norma que não coadune com nossa Constituição Federal, o controle preventivo ocorre antes da lei nascer, é um mecanismo que visa orientar o método de criação das normas, sobretudo, evitar que uma lei com conteúdo dissonante à nossa lei maior venha a existir em nosso ordenamento, portanto, destruindo-a em seu próprio nascedouro. 

Quem é que faz o controle preventivo? Ora, o controle preventivo é feito tanto pelo poder legislativo, através das ccj's, onde os parlamentares utilizam-se do mecanismo para exercer o controle sobre os projetos de lei, tanto pelo poder executivo, isto é, através do veto jurídico, que é atribuição do Presidente da República, nesta hipótese o presidente utiliza-se do veto jurídico em razão de uma norma eivada de inconstitucionalidade ou que seja contrária ao interesse público.

Quando o Poder judiciário pode fazer controle preventivo? Somente em um caso, onde um parlamentar, acreditando ter seu direito liquido e certo de participar do processo regular legislativo violado, impetra mandado de segurança. Nesta hipótese o parlamentar ataca o projeto de lei que acredita eivado de vícios em  sua criação ou cuja qual não pode participar por motivo temerário. O parlamentar faz um pedido para que o Judiciário obste a tramitação do projeto de lei eivado de vício quanto ao processo de criação, nesta hipótese é o judiciário quem faz o controle preventivo, sobretudo, pois é o STF quem decido o mandado de segurança.

Com um pouco mais de relevância para nós, estudantes de Direito, impõe se o estudo acerca do controle REPRESSIVO de constitucionalidade, eis que este é feito principalmente pelo Poder Judiciário, sendo com raras exceções feito pelo poder legislativo, isto é, quando se trata de medida provisória  e o Congresso a rejeita baseando-se na ausência do critério da relevância e urgência estabelecido pela CF como pressuposto as MP's, bem como na hipótese da lei delegada, isto é, quando o congresso delega ao Presidente da República a feitura de uma lei e este extrapola a delegação estabelecida, nesta hipótese o Congresso susta a lei.

  No entanto, malgrado o controle repressivo não seja feito somente pelo Poder Judiciário, é principalmente feito por ele e isto ocorre de duas formas, controle DIFUSO e controle CONCENTRADO.
   
   Muito embora existam muitas subdivisões quando estudamos controle de constitucionalidade não é difícil de compreendê-las, principalmente, pois, elas assim se dividem através de uma lógica de separação simples, sendo que quando da exegese da matéria, tudo se torna mais claro.

   Quanto ao controle DIFUSO, insta dizer que, como em muitas hipóteses, eis que em termos de Direito somos pródigos em legislar sobre quase todas as coisas, infere-se que copiamos-o de uma decisão proferida na suprema corte norte-americana, precisamente em um caso onde litigavam marbury x madison, sendo que depois de espelharmos-nos no ocorrido, a noção de controle difuso nos foi trazida na 2ª Constituição Federal brasileira, em 1891.

  Controle difuso é um controle feito por qualquer juiz, isto é, qualquer juiz pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei, desde que exista um caso concreto. Ele pode ser exercido pelos magistrados de todas as instâncias, no entanto, é necessário salientar que, diferente do ocorrido no controle concentrado, o efeito de uma decisão onde se declara uma inconstitucionalidade baseando-se no controle difuso, aplica-se somente entre as partes, não gerando efeitos reflexos.

Os tribunais podem fazer controle difuso? Somente nos termos do artigo 97 da CF, isto é, em se tratando da cláusula de reserva de plenário, os tribunais somente podem declarar a inconstitucionalidade através da maioria absoluta de seus membros.

Existe alguma hipótese onde o efeito do controle difuso não seja entre partes? Sim, trata-se da transcendência dos motivos determinantes. O STF já determinou que em alguns casos, os efeitos conferidos a uma decisão tomada através do controle difuso sejam ERGA OMNES, isto é, refletem contra todos.

Quanto ao controle CONCENTRADO, infere-se que é feito por via de ação. Sendo predominantemente através de 5 tipos:

1 ADIN GENÉRICA; 2 ADIN INTERVENTIVA; 3 ADIN POR OMISSÃO; 4 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE; 5 ADPF.

De somenos importância ante ao que procura-se estudar nesta ocasião, mas é importante salientar sobre a competência para o julgamento destas ações:

LEI FED X CF – STF
LEI EST X CF – STF
LEI EST. OU MUN. X CONST. EST. TJ
LEI MUNICIPAL X CF – CABE CONTROLE DIFUSO OU ADPF, NÃO CABE ADIM!

Levando em consideração que é através destas ações que se faz o controle concentrado, importante determinar o que pode e o que não pode ser objeto delas.

O que pode e o que não pode ser objeto de ADIN?

EMENDA CONST. – PODE (ressalvado em se tratando de cláusulas pétreas)
LEI ANTERIOR – NÃO PODE! Lei anterior não foi recepcionada pela Constituição;
NORMA CONSTITUCIONAL ORIGINÁRIA – NÃO PODE (existem teses que atacam essa proposição, sobretudo, podemos considerar a obra de Otto Bachof, jurista alemão que defende a inconstitucionalidade de normas constitucionais, contudo, essa tese não foi recepcionada em nosso ordenamento jurídico.)

Ainda a respeito de ADIN, estreitando a divagação para a ADIN interventiva, temos que ela possui a finalidade de decretar a intervenção, consumar uma retirada da autonomia de um ente federativo quando este fere, nos dizeres do Doutrinador Pontes de Miranda, Princípios sensíveis, isto é, aqueles dispostos no artigo 37. VII, da CF. Somente o Procurador Geral pode ajuizar a ADIN interventiva.

Tratando se da ADIN POR OMISSÃO, temos que é um mecanismo de controle de constitucionalidade concentrado que visa combater a inércia do legislador que se tornou omisso por deixar de criar lei necessária à eficácia e à aplicabilidade das normas constitucionais, em especial quando a Constituição estabelece a criação de uma lei regulamentadora.

Também pode ser utilizada quando da inércia do administrador público que não adotou as providências necessárias para efetivar o comando constitucional.


Em tempo, quanto a Ação declaratória de Constitucionalidade, infere-se que é meio processual de garantia da constitucionalidade da lei ou ato normativo federal, isto é, baseia-se no controle jurisdicional concentrado, por via de ação direta, instituída pela Emenda Constitucional nº 03/93 à Constituição Federal de 1988. Esta ação só é valida se demonstrado objetivamente a existência de controvérsia judicial em torno da constitucionalidade da norma, sobretudo, faz-se necessário, ainda, que o autor refute as razões alinhavadas como fundamento à tese da inconstitucionalidade e pleiteie a declaração de sua constitucionalidade.


O controle concentrado tem efeito erga omnes, ainda, as decisões tomadas nestes termos são retroativas, isto é, ex tunc, contudo, o Supremo já se manifestou dizendo que pode manipular os efeitos destas decisões, de modo que a retroação seja controlada ou mesmo inexistente.

Conforme procurou-se demonstrar, o controle de constitucionalidade é uma matéria muito importante dentro do Direito Constitucional, ele deve ser observado em todo tempo e fazer parte do dia a dia de todos operadores do Direito.

sábado, 15 de outubro de 2011

Artigo - Filosofia do Direito

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E UM PENSAMENTO DE VANGUARDA

Adriano de Oliveira Martins, mestrando do Univem
João Pedro de Oliveira Borges, acadêmico do Univem

Palavras-chave: 1.Dignidade da pessoa humana 2. reflexão 3. método científico

RESUMO
Busca-se demonstrar a importância da necessidade da compreensão da ciência do Direito à luz da dignidade da pessoa humana, sobretudo, o conceito objetivo do que significa dizer que prezou-se pela sua aplicação em detrimento do dogmatismo, isto é, utilizando sempre a reflexão e a interpretação pragmática em detrimento do apego ao dogma. É demonstrado a necessidade da diferenciação da ciência do direito como uma ciência do dever ser, portanto, advindo desta proposição, extrai-se seu reflexo e valoração tendo em vista o conceito de Ética e moral. Por fim indaga-se se é possível a existência da ciência, do método científico e do empirismo como dispositivos de cognição e feitura de juízo no campo do bem estar humano, destacando que, em verdade, se existe um pressuposto altruísta, visando o bem comum, a universalização de um instituto que dignifica a história do homem, é possível convergir e, sim, é possível conferir cientificidade às decisões sem que estas percam seu caráter humano.

INTRODUÇÃO

Quando buscamos obter um entendimento mais profundo do significado do nosso Direito, enxergar o espírito das nossas leis, alcançar de fato a compreensão do que poderia ser denominado como dignidade humana, espírito fraterno, amor à igualdade como outrora procuraram demonstrar os filósofos do iluminismo, Montesquieu, Voltaire, Rousseau, até mesmo alguns arautos das ciências naturais como, Einstein e Sagan, é necessário compreender o que está pressuposto a ele, qual é o significado de se dizer “tenho um direito”, “você tem um direito”, “vá procurar os seus direitos” antes do Direito per se existe o Direito pressuposto.
Sem esse tipo de interpretação nossa forma de lidar com os dispositivos de lei teria pouca diferença das ciências exatas, o que na opinião de muitos empobrece a ciência do Direito, pois, as relações humanas são únicas, o que é tutelado, como o grande mestre, Professor Goffredo da Silva Telles Júnior, por vezes procurou demonstrar, é a salubridade de nossa própria convivência:

Durante os cinco anos do Curso, matérias muitas e diversas são explicadas e estudadas. Mas vocês vão ver que todas elas se prendem umas às outras. Embora cada matéria tenha seu objeto específico, todas elas se relacionam pelos seus primeiros princípios, pelos seus fundamentos, pelos últimos fins. Elas são ramos múltiplos de uma só árvore: da árvore da Ciência do Direito. Em verdade, podemos até dizer que, durante todo o multifário curso da Faculdade de Direito, o de que se estará sempre cuidando é da Disciplina da Convivência Humana.[1]

Cada caso possui um valor diferente, é dotado de peculiaridades diferentes, em verdade, quando uma pessoa tem um direito violado, ainda que irrelevante na visão do seu próximo, para ela aquele direito é o mais importante do mundo, portanto, cabe ao operador do direito extrair dos nossos dispositivos de lei, dos nossos princípios norteadores de direito, a melhor forma de alcançar justiça.
Malgrado a ciência do Direito não seja exata, existe uma chaga em nosso ordenamento jurídico, não única e exclusivamente nele, pois provém de um problema no seio social que se distribui lentamente, pouco visível aos olhos, mas que causa um mal terrível, por vezes impossível de combater pois não é incomum vê-lo disfarçado de um doce deletério. Enquanto o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade são violados, todos os dias, não pelo descumprimento da lei, mas pela mão invisível do cotidiano, da passividade, da indiferença, nos vemos receosos de lidar com situações que possuem talvez, um “respeito automático” inserido em nosso subconsciente.
No Brasil somos pródigos em legislar sobre muitos assuntos, no entanto, nossa Constituição Federal, nossa Lei Maior é uma peça rara, um artefato impar, em que pese não podermos nos dar ao luxo de vangloriar-se da conjuntura sob a qual encontra-se nosso judiciário, isso não muda a singularidade de uma Constituição que surgiu sob o princípio da fraternidade e da dignidade da pessoa humana, que sempre pôde nos presentear com a mais pura expressão de justiça quando interpretada de acordo com o espírito de sua criação. Será que nosso entendimento científico atual ainda não é suficiente para nos dar parâmetros para discernir entre o que é bom e o que é ruim, o benéfico e o prejudicial, o que honra e o que denigre a dignidade de um ser humano?
Por vezes nos deparamos com situações que demonstram que esse “receio” é muito prejudicial, cito o caso da decisão pela permissão da utilização de pesquisa de células tronco embrionárias no Brasil, o decisão sobre a progressão de regime prisional, sobre a fidelidade partidária, sobre o racismo e o anti-semitismo, demarcação de terras indígenas, enfim, algumas destas decisões tiveram grande dispêndio de tempo e energia, não é que não exista mérito nessa devida atenção, mas o que preocupa é que em um país onde falta atendimento médico adequado aos menos favorecidos, onde ainda existe escravidão, fome, tráfico, onde a corrupção toma conta e pouco a pouco perde seu quê de absurdo, onde morre mais gente com enchente do que na maioria das catástrofes naturais que ocorrem pelo mundo, se controverta tanto a respeito de aborto de anencéfalo, sobre união civil entre pessoas do mesmo sexo, sobre os direitos previdenciários delas, sobre direitos que são individuais, e não tem correlação nenhuma com o bem estar geral. Magnífica a recente decisão do supremo reconhecendo os direitos inerentes a estas pessoas, pois, são personalíssimos, saindo um pouco da esfera tupiniquim, existe muita relutância quando a discussão versa sobre a cultura de um povo, neste caso, é necessário ponderar se esse respeito automático a cultura é benéfico.
Nos deparamos com homicídio de seres humanos para rituais religiosos, exclusão da mulher, escravidão, uso de terapias alternativas (sem nenhum tipo de comprovação científica) para cura de doenças graves, sobretudo, ministradas por pessoas sem preparo algum a outras pessoas também sem preparo algum, isto é, não tem parâmetros para saber como estão sendo tratadas, racismo e por vezes danos irreversíveis à integridade física e tratamentos degradantes ao ser humano, tudo isso muitas vezes com o apoio do Estado soberano.
Há quem diga que a Ciência, sobretudo a compreensão do universo através do método científico, mesmo sendo provida do melhor sistema de autocorreção e explicação que possuímos não é capaz de fazer juízo de moral, a respeito da relatividade dos valores morais e justeza absoluta, e como bem lembrou o Ministro do STF Carlos Ayres Britto no seu voto sobre a demarcação na área da Raposa Serra do Sol, “Kelsen, sempre ele” pondera:

Não se aceita de modo algum a teoria de que o Direito, por essência, representa um mínimo moral, que uma ordem coercitiva, para poder ser considerada como Direito, tem de satisfazer uma exigência moral mínima. Com esta exigência, na verdade, pressupõe-se uma Moral absoluta, determinada quanto ao conteúdo, ou, então, um conteúdo comum a todos os sistemas de Moral positiva. Do exposto resulta que o que aqui se designa como valor jurídico não é um mínimo moral nesse sentido, e especialmente que o valor de paz não representa um elemento essencial ao conteúdo de Direito. [2]

Ainda, para Kelsen, a ciência:

"Não tem de decidir o que é justo, isto é, prescrever como devemos tratar os seres humanos, mas descrever aquilo que de fato é valorado como justo, sem se identificar a si própria com um destes juízos de valor" [3]

O valor vem antes do princípio, de fato, o ideal de justiça não é absoluto, não é possível universalizá-lo tendo em vista que não nos é dado método para racionalizar algo deste modo, metafísico, portanto, a norma positivada sempre estará ligada a um pressuposto, mas que como um dos maiores cientistas de todos os tempos gostava de dizer, Carl Sagan, trata-se de um enorme “dragão invisível” analogia que ele usava para descrever uma proposição não falseável, isto é, fora da possibilidade de análise à luz do método científico, a rigor, não passa de uma crença e aos olhos da ciência ainda não tem significado, porém a despeito disso Kelsen aduz que, em poder do conhecimento dessa separação nos é lícito conferir uma validade relativa aos valores de justiça:

Se, no problema da justiça, partimos de um ponto de vista racional-científico, não-metafísico, e reconhecermos que há muitos ideais de justiça diferentes uns dos outros e contraditórios entre si, nenhum dos quais exclui a possibilidade de um outro, então nos será lícito conferir uma validade relativa aos valores de justiça constituídos através destes ideais. [4]

A respeito da relatividade dos valores de justiça, não existe nada mais notório, pensar de forma diversa seria pura crença sem evidência, levando em consideração que neste diapasão fica claro que o Direito não pode pura e simplesmente encontrar sua justificação na moral, eis que ela não é absoluta, por outro lado existe a concepção de que fora da moral ele seria configurado injusto, e aqui é que ressalto o ponto para deixar esse pensamento pairar um pouco sobre nossas cabeças.

1 ÉTICA, MORAL, DIREITO E MÉTODO CIENTÍFICO

É necessária essa discriminação tendo em vista o caráter reflexivo e estrito que se propõe, ademais, a interpretação destes à luz da temática tratada é reveladora. Somente é possível falar de ética, quando se fala em seres humanos, eis que ética pressupõe uma capacidade de valoração, de julgamento e avaliação, portanto, compreende-se a autonomia dando viés à liberdade, nesse diapasão, sempre com grande maestria leciona o grande professor Mario Sergio Cortella:

A ética é um conjunto de princípios e valores que você usa para responder as três perguntas da vida humana: Quero? Devo? Posso?
O que é a moral? A prática da resposta.
Nós vivemos muitas vezes dilemas éticos. Há coisas que eu quero, mas não devo. Há coisas que eu devo, mas não posso. Há coisas que eu posso mais não quero. Quando você tem paz de espírito? Quando tem um pouco de felicidade? Quando aquilo que você quer é o que você deve e o que você pode.[5]

Em seguida, buscando sintetizar o conceito:

Portanto, o que é ética? São os princípios que você e eu usamos para responder o Quero? Devo? Posso? É preciso remarcar: isso não significa que você e eu não vivemos dilemas. Eles existem, e serão mais tranquilamente ultrapassados quanto mais sólidos forem os princípios que tivermos e a preservação da integridade que desejarmos. [6]

Nesse sentido, verifica-se que do ponto de vista teórico, ética e moral são diferentes, como o nobre professor leciona, a moral é o proceder da ética, sua prática. Determinado sujeito possui uma conduta e nisto compreende-se a ética como os princípios que orientam essa conduta. Indaga-se, existe possibilidade de existência da construção e interpretação das normas, talvez até o juízo de moral, isentos destes princípios? A ciência pode fazer juízo de moral? Isto não significa dizer que, deste ponto de vista, existirão respostas para todas inquietações, significa apenas admitir que se questões afetam o bem estar humano, então elas possuem respostas, mesmo que ainda não sejamos capazes de encontrá-las. De forma análoga se compreende os porquês da diferença de se trabalhar com Direito, velha lição kantiana, a matemática, a física a química são ciências “do ser”, já a lei jurídica, por sua natureza, anuncia ou descreve como as coisas devem ser. Portanto, o Direito é uma ciência do “dever ser” e é por isso que muitas vezes há uma não correspondência entre a realidade que vivemos e o que diz a lei.
A lâmina fria do método científico, por outro lado, não lida com a moral, não emite julgamento, apenas lida com fatos, deste modo, pode-se conceber analogicamente que quando o Direito é compreendido como forma e não como conteúdo encontramos uma composição, nas palavras de Kelsen:

Quando se entende a questão das relações entre o Direito e a Moral como uma questão acerca do conteúdo do Direito e não como uma questão acerca de sua forma, quando se afirma que o Direito por sua própria essência tem um conteúdo moral ou constitui um valor moral, com isso afirma-se que o Direito vale no domínio da Moral, que o Direito é uma parte constitutiva da ordem moral, que o Direito é moral e, portanto, é por essência justo. Na medida em que uma tal tese vise uma justificação do Direito – e é este o seu sentido próprio -, tem de pressupor que apenas uma Moral que é a única válida, ou seja, uma Moral absoluta, fornece um valor moral absoluto e que só as normas que correspondam a esta Moral absoluta e, portanto, constituam o valor absoluto, podem ser consideradas "Direito". Quer dizer: parte-se de uma definição do Direito que o determina como parte da Moral, que identifica Direito e Justiça. [7]

De forma diversa, compreendendo a moralidade como contraposto da legalidade, pondera o sempre reflexivo Kant:

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade. (...) o que se faz condição para alguma coisa que seja fim em si mesma, isso não tem simplesmente valor relativo ou preço, mas um valor interno, e isso quer dizer, dignidade. Ora, a moralidade é a única condição que pode fazer de um ser racional um fim em si mesmos, pois só por ela lhe é possível ser membro legislador do reino dos fins. Por isso, a moralidade e a humanidade enquanto capaz de moralidade são as únicas coisas providas de dignidade[8]

É necessário compreender uma evolução desse pensamento, o modelo abstrato clássico. A noção de que o ser humano nunca poderá ser tratado como coisa, eis que obtém um fim em si mesmo de acordo com Kant, é sóbria, se mostra um conceito belo e justo, isso não se busca controverter, é apenas a noção desta ligação intrínseca, dessa busca pela moral absoluta desse mutualismo que muitas vezes é encontrado nas doutrinas clássicas e que não se adéquam ao modelo de Kelsen, do relativismo da moral e da justiça.
Sobre do que se trata o princípio da dignidade da pessoa humana, a partir da premissa que o ser humano, como fim de tudo, é um ente real cujas necessidades mínimas não podem estar sujeitas aos modelos abstratos tradicionais, pondera Jorge Miranda:

Em primeiro lugar, a dignidade da pessoa é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstrato. É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e insubstituível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege. Em todo o homem e em toda a mulher estão presentes todas as faculdades da humanidade. [9]

Neste diapasão, a respeito da não existência de justiça e moral absolutas, buscando conferir cientificidade ao Direito, Kelsen conclui:

Uma teoria dos valores relativista não significa – como muitas vezes erroneamente se entende – que não haja qualquer valor e, especialmente, que não haja qualquer Justiça. Significa, sim, que não há valores absolutos mas apenas valores relativos, que não existe uma Justiça absoluta mas apenas uma Justiça relativa, que os valores que nós constituímos através dos nossos atos produtores de normas e pomos na base dos nossos juízos de valor não podem apresentar-se com a pretensão de excluir a possibilidade de valores opostos.  [10]

Será mesmo que a ciência não é capaz de fazer este juízo, será que a convivência humana é dotada de tantas idiossincrasias que impede que uma decisão que não leva em consideração esses princípios seja adequada ao caso concreto, em que pese o conceito de dignidade da pessoa humana seja considerado relativo, não é possível objetivar os seus desígnios? Seria possível a prática da sociedade sem dogmas, aparando algumas arestas e fazendo as perguntas certas? O método científico empregado fazendo que posicionamentos culturais relativistas dêem lugar a uma síntese empírica dos fatos pode formar a base de uma decisão? Não de forma absoluta, como poucas coisas o são, mas cremos que sim.
Ademais, qual é o pressuposto de toda nossa ciência, de toda nossa necessidade de adquirir conhecimento, ora, é entender o universo! Se existe essa sanha de nós seres humanos de compreender o que está a nossa volta o motivo não é outro que não encontrar os significados, lidar com as situações que nos permeiam durante a nossa vida, deste modo, melhorando nossas condições, melhorando nossa qualidade de vida, alcançando o conceito de dignidade da pessoa humana de forma objetiva.
O direito natural, que muitas vezes se invoca a título de pressuposição é uma construção também, durante os séculos XVII e XVIII e posteriormente retomando sua força no século XX postula-se uma origem metafísico-religiosa ao direito natural, e nesse diapasão pergunto: O que significa esta pretensão, essa certeza, diante da indiferente explosão de uma super nova, a rigor, extinguindo errantes e transformando todo o seu redor em poeira?
O universo é indiferente aos nossos desígnios, como dizia Sagan, não passamos de um pálido ponto azul, nossos dilemas humanos, amor, dor, paz, guerra, prosperidade, miséria, ímpeto, medo, quietude, raiva, bem-estar, angústia, gozo, sofrimento, são infinitamente insignificantes ante a uma reflexão a respeito da grandeza do cosmos, portanto, o que realmente faz diferença é a forma como passamos esses efêmeros momentos, se os vivemos de uma forma digna, e se o nosso viver digno não impede o viver digno do nosso próximo.
Quando o magistrado concede um direito anteriormente negado ao ente humano através da parcela de poder concedida ao Judiciário e passa por cima, por exemplo, do entendimento do legislativo ou do executivo visando cumprir o princípio da dignidade da pessoa humana está valendo-se da objetividade da concepção de que não há nada mais importante do que o cumprimento de nossas necessidades fundamentais, pois é isso que nos diferencia de uma civilização retrógrada, que talvez nem devesse ter saído das águas.

2 DO CETICISMO FILOSÓFICO, A REALIDADE DO NOSSO DIREITO

Não basta apreciar a beleza de um jardim sem imaginar que há fadas nele? [11]

O cerne que não pode ser esquecido, o sustentáculo ao nosso ordenamento jurídico, o que de fato pode garantir que independente das circunstancias estaremos visando nenhuma outra coisa que não a justiça é a nossa memória. É nossa memória por que malgrado todo anteriormente exposto acerca das construções a respeito do direito natural, das causas primeiras, não sirva para nos dar uma resposta à origem do conceito da justeza dos nossos ideais, ao menos na subjetividade, pois, a seleção natural em vários casos demonstrou que àquele mais fraterno, altruísta, teve menos dificuldades para se adaptar e sobreviver, curioso, pois até o altruísmo nessa perspectiva revela-se como uma característica individualista; podemos inferir através dos acontecimentos do passado o que foi bom e o que foi deletério, parafraseando Orwell, quem controla o passado, controla o futuro.
A dignidade da pessoa humana, a visão objetiva deste princípio, essa reflexão de vanguarda que surge do âmago do espírito que criou nossa lei maior, nossa Constituição Federal, só se sustenta se tivermos em mente que, em verdade, não temos direito algum, o que temos são privilégios que, infelizmente, ante a conjuntura social que vivemos, ante ao espírito deste tempo que mina nossa confiança na justiça com o proceder lento e despercebido do cotidiano, têm se tornado cada vez menores e cada vez mais esquecidos.
O que dizer das marcas de sola que temos em nossos direitos pelo correr da história, falamos de um instituto independente, que foge da cognição completa, estritamente metafísico; por que é que ele só desaparece quando não lutamos por ele? Quando esquecemos que o que garante a sua existência é apenas nossa vontade, nossa memória de uma época sem sua guarida. A história humana está repleta de exemplos que seguem este rigor, o direito existe até que a conjuntura mude e seja necessário esquecê-lo por um momento para dar viés à vontade dos mais poderosos, quem duvidar poderá querer lembrar-se da situação dos japoneses norte-americanos em meio a segunda grande guerra em 1942, cidadãos que ante a desconfiança depositada em virtude dos acontecimentos no seu país, foram enviados aos “war relocation camps”, sem direito a advogado, devido processo legal, contraditório, ampla defesa, cidadãos norte-americanos que a rigor tiveram seus direitos suprimidos apenas por que seus ascendentes provinham de uma terra que no contexto era considerada ingrata, mas não é necessário ir tão longe, principalmente por que vivemos em um país onde a questão não é nem a supressão dos direitos mas o desconhecimento destas transgressões e principalmente, e ai em que pese abranger quase o todo, a indiferença ante esta situação.
Busca-se, de forma tola talvez, separar nitidamente o bom e o ruim, muitas pessoas não compreendem o tamanho do imbróglio que se agiganta, por este motivo surgem tentativas simplistas de resolução dos conflitos, via de regra, não seguem o espírito pragmático que é cerne das conclusões satisfatórias, o que existe são tentativas vans de reconstruir uma realidade que não existe há tempos, o conceito do homem bom e do homem ruim, essa ilusão que insiste e mostra-se sempre que possível, impede que, como dizia Nietzsche, reflitamos para além do bem e do mal, não somos de modo algum perfeitos, tudo aponta para que nunca de fato sejamos um dia, talvez fosse melhor que isso nunca acontecesse, e neste sentido cito a reflexão do nobre poeta, Fernando Pessoa, um trecho de sua obra onde, através de seu heterônimo Álvaro de Campos, fala a respeito desta tentativa contumaz de esquecer-se de toda vilania:

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?[12]

É interessante como através da história repetem-se incessantemente os dilemas vividos, tantos anos de evolução, tanto tempo passado, tantos problemas antigos e sempre de uma maneira ou outra reencontrados:

É muito próprio do vulgo, mormente o que pulula nas cidades, desconfiar de quem o estima e ser ingênuo para com aqueles que o enganam. Atrair o pássaro com o apito ou o peixe com a isca do anzol é mais difícil que atrair o povo para a servidão, pois basta passar-lhes junto à boca um engodo insignificante.
É espantoso como eles se deixam levar pelas cócegas. Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, as feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engodos da servidão, preço da liberdade, instrumentos da tirania. Deste meio, desta prática, destes engodos se serviam os tiranos para manterem os antigos súditos sob o jugo. Os povos, assim ludibriados, achavam bonitos estes passatempos, divertiam-se com o vão prazer que lhes passava diante dos olhos e habituavam-se a servir com simplicidade igual, se bem que mais nociva, à das crianças que aprendem a ler atraídas pelas figuras coloridas dos livros iluminados.
Os tiranos romanos decretaram também na celebração freqüente das decenálias públicas, para as quais atraiam a canalha que põe acima de tudo os prazeres da boca. Nem o mais esclarecido de todos eles trocaria a malga da sopa pela liberdade da república de Platão. Os tiranos ofereciam o quarto de trigo, o sesteiro de vinho e o sestércio. E os vivas ao rei eram então coisa triste de ouvir. Não davam conta, os néscios, de que recuperavam dessa forma parte do que era seu e que não podia o tirano dar-lhes coisa que não lhes tivesse furtado antes. O que hoje ganhava o sestércio, o que se fartava de comer no festim público, louvando a grande liberalidade de Tibério e Nero, era no dia seguinte obrigado a entregar os seus haveres à avareza, os filhos da luxúria e o próprio sangue à crueldade daqueles magníficos imperadores, e fazia-o sem dizer palavra, mudo como uma pedra, quedo como um cepo. O povo sempre foi assim…[13]

O valor do nosso Direito que, antes de mais nada, trata-se de uma ideia, uma grande ideia diga-se de passagem, mas, reiterando, encontra-se na salubridade de nossa convivência, e não se pode de modo algum sacrificá-lo. Esse pressuposto, que deve sempre servir de guia para as decisões, a dignidade da pessoa humana, sobretudo nossa memória de quando isto não é levado em conta é o que torna digno dizermos que sim, existe o Direito, no entanto, será que isto é consoante à nossa realidade?

3 DA IMPORTANCIA DA DÚVIDA

Falar a respeito de um pensamento de vanguarda no tocante a interpretação do direito à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, é dizer, não existe mais lugar para dogmatismo, não existe mais lugar para respeito automático, não existe mais lugar para quem se furta de julgar ou procrastina esse dever, é tempo de coragem na defesa do que acredita-se ser justo, ser razoável, malgrado como diria Kelsen, não exista um ideal de justeza absoluto, sabemos que aqueles que estão incorporados ao poder judiciário passam por verdadeira “prova de fogo” para estarem ali, porquanto ao menos ao espírito da época e guardado as devidas proporções, devemos acreditar nos nossos magistrados, no seu douto conhecimento.
Sabemos que é difícil aceitar essa proposição, isto é, vez ou outra nos deparamos com certas atitudes de quem tem poder de mudança que minam nossa esperança em um futuro bom, mas, saliente-se, que na grande maioria o que se vê são sujeitos de caráter soturno, manso, reflexivo e sinceramente altruísta, ocorre que, mesmo estes por vezes tem seu poder de mudança, de julgamento, suprimidos pelo sistema, pela conjuntura social deletéria que vivemos.

O juiz do trabalho José Ernesto Manzi apregoa que:

“A morosidade ou demora na outorga efetiva da prestação jurisdicional, com sua efetivação no mundo dos fatos, talvez tenha por origem remota a perda do caráter humano do processo. Quando a sociedade era menos complexa e as relações mais pessoais, as decisões refletiam essa filosofia...
O Direito está em crise, porque a ética e a moral também estão. O Judiciário, como instituição, está em crise, por que o próprio Estado está. A justiça é morosa e sua demora é, em si, causadora da injustiça, porém, a injustiça generalizada é a causa da morosidade judiciária. Contam-se com as dificuldades no acesso à justiça e a morosidade decorrente do excesso de processos para não se cumprir, voluntariamente, com as obrigações. O “vá procurar os seus direitos” tornou-se lugar comum. Perdeu-se a vergonha de se ver reconhecido pelo judiciário o abuso no pedir ou no resistir, como se fizesse parte de um jogo e como se não estivesse em discussão a própria postura ética das partes. O processo tornou-se um jogo de astúcias, em que o ganhador sentir-se-á mais vitorioso quanto menos razão possuía ao início.”.[14]

Ainda, conclui esclarecendo que:

A sociedade anseia por um Judiciário que atenda a seus reclamos de forma célere. A justiça deve ser cega, mas não pode mais ser surda, nem manca, pois com as três incapacidades terá que ser amparada, e não amparar (que é sua função).
As reclamações contra a ineficiência das leis de nada servem. Os operadores jurídicos devem formular propostas concretas de reformulação legislativa, pressionar os legisladores, informar a opinião pública e, enquanto não conseguem seus intentos, buscar soluções práticas para fazer com que a justiça não tarde, para que também não falhe. Recorda-se, para tanto, o antigo bordão da engenharia militar: Ante o impossível, tentaremos!!! [15]

A situação na qual nos deparamos nesse tempo que por vezes se demonstra vil é apenas um reflexo da perda do espírito fraterno deste tempo, do agigantamento do individualismo, da coroação à astúcia e falta de princípios inerentes as causas sem propósitos verdadeiros. Não podemos, ante a essa conjuntura ceder à inércia, malgrado nosso Direito seja digno de ser seguido como exemplo, em muitos aspectos,  sua aplicação plena se torna a cada dia mais difícil, pois, o sujeito de direitos está contido num contexto social e cultural retrógrado e especialmente, triste.
Portanto, é necessário dizer que, existem algumas situações em que talvez seja muita pretensão dizer que, a título de exemplo, a ciência não é capaz de fazer juízo de moral, data máxima vênia ao ideário do inigualável Kelsen, por quem temos imenso apreço, mas dizer isto significa dar as idiossincrasias humanas um caráter de extrema complexidade e importância que elas não possuem, não somos tão diferentes assim dos outros animais que povoam o planeta, ao contrário do que se pensa, o ser humano tem características que para um bom observador podem até ser consideradas simplistas, com o devido respeito, mas nosso polegar opositor, o uso de vestimentas e a capacidade de fala, o que muitas vezes trata-se da única diferença de alguns de nossa espécie para o restante dos outros animais não é o suficiente para nos revestir de tanta complexidade.
É evidente que, em alguns casos, existam sim diversos fatores que devem ser analisados tendo em vista a singularidade de um indivíduo, mas é incompreensível essa vênia excessiva, ao ponto de quase não existir análise, no tocante a abordagem de determinadas proposições, seja no campo das culturas, dos credos, do entendimento político. Muitas vezes nesse contexto vemos direitos fundamentais espezinhados mas que por se tratar da cultura, de credo, de ideologia política do indivíduo não são levados em consideração, as vezes não existe nem a percepção de que existem direitos sendo violados ali, tendo essa conjuntura revestido essa retrógrada visão com uma blindagem à analises críticas.
Sobre a ciência fazendo juízo de moral, objetivando quando possível o conceito da dignidade da pessoa humana é cediço que ainda existem muitas dúvidas sobre o valor e as consequências desta proposição, no entanto, a rigor, é plenamente precioso que elas existam, afinal, que outra coisa que não a dúvida, é o motor da própria ciência? Lembrando dos pensamentos de um dos mais velhos defensores das liberdades civis, Voltaire, sobre o fato de que a ignorância afirma ou nega veementemente, e a ciência sempre duvida, notório, pois, o duvidar é o que nos leva para além do óbvio, é o que nos faz sempre procurar a solução mais acertada, mais justa e sólida, sem apegar-se a dogmas, preconceitos, e pensamentos prontos.

CONCLUSÕES FINAIS

Quando na obra de Hermann Hesse, escritor alemão famoso por suas críticas ao militarismo de seu país de origem e interpretação das filosofias do oriente, contando a história ficta sobre a jornada à iluminação do Buda, seu personagem quando indagado sobre suas habilidades dizia que somente sabia pensar, esperar e jejuar, muitos de seus interlocutores julgavam insuficientes estes atributos, a contrario sensu quem conseguia enxergar a grandeza do pensar, isto é, a capacidade de refletir por si mesmo o levar de sua existência, julgar seus próprios atos e valorá-los, entender o esperar, pois, o universo nos é indiferente e a paciência é um atributo que nos dignifica e nos previne de cometer muitos erros, por fim, compreender o jejuar, que, a rigor, simboliza a privação dos seus próprios deleites em virtude da situação do seu próximo, da necessidade de durante essa privação poder entender as privações do outro, sabia que ali jazia poucos atributos que poderiam fazer a diferença no mundo todo. Nosso Direito, nossos operadores do Direito, em verdade todas as pessoas, mas buscando estreitar esta reflexão, para que nunca seja esquecido nenhum de nossos princípios norteadores, nossos direitos fundamentais, a dignidade do ente humano, precisam saber que em verdade antes do dogmatismo, do apego a norma positivada, dos conceitos já há muito pensados e repensados, precisamos ceder ao pragmatismo e sobretudo a interpretação de todo nosso ordenamento jurídico à luz da dignidade da pessoa humana objetivada, esquecer as consequências deletérias que muitas vezes vem juntamente com uma atitude corajosa e aprender a pensar, esperar e jejuar.

BIBLIOGRAFIA

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994


KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003


CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a tua obra? : Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética, 8ª Ed. Petrópolis-RJ, Editora Vozes, 2009


KANT, IMMANUEL, Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos, tradução de Leopoldo Holzbach, São Paulo: Martin Claret, 2004


MIRANDA, Jorge Manual de direito constitucional, tomo IV, 2. ed. – Coimbra Editora


MANZI, José Ernesto, Da morosidade do poder judiciário e algumas possíveis soluções.


ADAMS, Douglas, O guia dos mochileiros das galáxias, Editora Sextante, 2004


PESSOA, Fernando Antonio Nogueira - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 418.


LA BOÉTIE, Etienne de – Discurso da Servidão voluntária – Martin Claret, pg. 19.


[1] Esta “SAUDAÇÃO”, redigida pelo Professor Goffredo Telles Júnior, foi lida pelo Prof. Sérgio Resende de Barros, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo, no Salão Nobre da Faculdade, em 26 de fevereiro de 2007. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-jun-28/leia-discurso-goffredo-telles-jr-homenageou-goffredo-telles-jr

[2] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 74.

[3] KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 16.

[4] KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 17/18.

[5] CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a tua obra? : Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética, 8ª Ed. Petrópolis-RJ, Editora Vozes, 2009, p. 106/107.

[6] CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a tua obra? : Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética, 8ª Ed. Petrópolis-RJ, Editora Vozes, 2009, p. 108

7] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 72.

[8] KANT, IMMANUEL, (16) Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos, tradução de Leopoldo Holzbach, São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 65

[9] MIRANDA, Jorge Manual de direito constitucional, tomo IV, 2. ed. – Coimbra Editora, 1993, p. 169.

[10] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 76.

[11] ADAMS, Douglas, O guia dos mochileiros das galáxias – capítulo 16, pagina 91.

 [12] PESSOA, Fernando Antonio Nogueira, Poema em linha reta. "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 418.

[13] LA BOÉTIE , Etienne de,  – Discurso da Servidão voluntária – Martin Claret, pg. 19.

[14] MANZI, José Ernesto. Da morosidade do Poder Judiciário e algumas possíveis soluções. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 337, 9 jun. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/5312.

[15] MANZI, José Ernesto. Da morosidade do Poder Judiciário e algumas possíveis soluções. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 337, 9 jun. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/5312