quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Fraternidade e Dignidade da pessoa humana são princípios herdados do cristianismo?

Há quem diga que os compromissos humanitários do Direito são prejudicados pela cultura cientificista que oprime o interprete da norma, sobretudo, inferindo que conceitos como o da fraternidade, dignidade da pessoa humana, são heranças religiosas, vejamos:

Buscar-se-á, inicialmente, encontrar a delimitação do conceito de dignidade da pessoa humana. Entendida como um valor inerente a todo e qualquer ser humano, integrando a sua própria natureza, a dignidade da pessoa humana tem as suas raízes – como já declinado – no ideário cristão e sempre associado ao conceito de pessoa.
Recorda Fernando Ferrei dos Santos, em valioso Artigo, que: o conceito de pessoa, como categoria espiritual, como subjetividade, que possui valor em si mesmo, como ser de fins absolutos, e que, em consequencias, é possuidor de direitos subjetivos ou direitos fundamentais e possui dignidade, surge com o Cristianismo, com a chamada filosofia patrística, sendo depois desenvolvida pelos escolásticos. (MACHADO, 2008. P. 94)

Antes de maiores apontamentos, insta dizer o que é filosofia patrística e quem são os escolásticos, pois bem, a filosofia patrística consiste em uma filosofia propagada por padres da igreja católica que eram responsáveis pela defesa ideológica da fé católica, isto é, propagar a tradição e estudar os dogmas da igreja. Não obstante, os escolásticos, eram estudiosos que tinham a sanha de aliar a fé cristã com o pensamento racional, tendo como grande defensor o padre Tomas de Aquino.
Passado esta explicação, podemos caminhar em um solo um pouco mais firme, voltemos, portanto, a exegese do tema proposto.
Dizer que nosso conceito de fraternidade e dignidade da pessoa humana tem raízes no pensamento cristão implica duas hipóteses, ignorância ou má-fé. Digo isto porque não se pode colher bons frutos de uma árvore envenenada, ainda, levantar uma premissa destas de forma altruística, não significa outra coisa que não desconhecimento dos pressupostos da própria fonte de informação.
Existe essa tendência associativa, ainda, devemos considerar que uma premissa falsa não significa uma conclusão falsa, o fato de um argumento ser válido não significa necessariamente que sua conclusão é verdadeira, pois pode ter partido de premissas falsas, isto é, se a premissa é verdadeira e a conclusão é falsa, a inferência para chegar ao resultado foi inválida ou ineficaz. Nesse diapasão, podemos concluir que, o argumento da doutrina cristã ter dado origem ao conceito de dignidade da pessoa humana e fraternidade pode ser valido, no entanto, a conclusão pode ou não ser verdadeira.

Analisemos se é verdadeira ou não.

Uma evidência, uma proposição, somente pode ser considerada válida se pode ser falseada, ainda, os resultados inerentes a investigação, a sujeição metodológica tem que ser iguais e observáveis, passíveis de reprodução perante todos, caso contrário, poderíamos considerar que o objeto estudado não existe ou ainda está fora de nossa esfera de compreensão.
Sabendo que não tratamos de uma proposição estritamente física, portanto, que também está contida na esfera da metafísica, não podemos simplesmente descartar a hipótese mediante a incoerência da fonte com a informação obtida, pois poderíamos cair na regra anteriormente citada, tendo uma fonte ilegítima que possui uma conclusão legítima, no entanto, podemos analisar esta referida conclusão, a dizer, que a dignidade humana e o princípio da fraternidade tem raízes cristãs e inferir se hoje os temos através destas citadas raízes ou se é fruto de alguma outra proposição.
Dado estas primeiras considerações, analisemos a fonte sob a qual, supostamente buscamos o norte para os conceitos de fraternidade e dignidade humana, a bíblia, sobretudo, o que podemos reunir de bons conselhos nela contidos:

Quando perguntado sob o que é necessário para herdar “vida eterna”, Jesus responde:

E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. Lucas 10:27

Ainda, quanto aos bons conselhos:

Amai vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Será grande a vossa recompensa, e sereis filhos do Altíssimo. Mateus 5:44

Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Mateus 5:9


Certamente que disto, poderíamos, enfim, ter tido uma idéia inicial da base que nos daria inspiração para criação dos ideais de dignidade e fraternidade, no entanto, a fonte que nos dá essa informação, que nos dá esse bom conselho, é eivada de outros conselhos – por vezes exigências - que são frontalmente opostos a este, existe uma bipolaridade curiosa na Bíblia, vejamos:

 Mateus 10:34-35 – Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra.
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Lucas 12:47-48 – O servo que soube a vontade do seu senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com muitos açoites (pra mim, não é relato e sim ordem) mas o que não a soube, e fez coisas que mereciam castigo, com poucos açoites será castigado. Daquele a quem muito é dado, muito se lhe requererá; e a quem muito é confiado, mais ainda se lhe pedirá. (Escravidão era permitida por Jesus?).

Lucas 14:26 Se alguém vem a mim e não odiar (alguns dizem que não é “odiar”, mas “aborrecer”, só que o original em grego é “misei” e misei significa “odiar” mesmo) a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.

Lucas 19:27 – Quanto, porém, a esses meus inimigos, que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e executai-os na minha presença. (Absolutismo e pena de morte?)

Deuteronômio 23:1-2 – O homem, cujos testículos foram esmagados ou cortado o membro viril, não será admitido na assembléia do Senhor. O bastardo não entrará tampouco na assembléia do Senhor, mesmo até a décima geração. (lembrando que Jesus não era filho de José).

Êxodo 21:20 – Se alguém ferir a seu escravo ou a sua escrava com pau, e este morrer debaixo da sua mão, deve ser castigado; mas se sobreviver um ou dois dias, não será castigado; porque é sua propriedade.

Levítico 20-10 – Se um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos terão praticado abominação; devem ser mortos.

Filipenses 1:8 – Mas que importa? Contanto que Cristo seja anunciado de toda a maneira, ou com fingimento ou em verdade, nisso me regozijo, e me regozijarei ainda. (Uma espécie de legalização da mentira?).

Isaías 13:15-16 – Todo o que for achado será trespassado; e todo o que for apanhado, cairá à espada. E suas crianças serão despedaçadas perante os seus olhos; as suas casas serão saqueadas, e suas mulheres violadas.

Oséias 13:16 – Samária levará sobre si a sua culpa, porque se rebelou contra seu deus; cairá à espada; seus filhinhos serão despedaçados, e as suas mulheres grávidas serão fendidas. (Bíblia Sagrada Português – Inglês. Ed. Vida. 2003.)


Evidenciado essa bipolaridade, essas contradições, podemos concluir que, ao dizer que dessa fonte tiramos nossa noção de dignidade humana e fraternidade, ou a tiramos mediante uma leitura parcial e desordenada do livro, portanto, que não deve ser considerada, ou não é do cristianismo que brotam as raízes as quais procuramos.
Este livro cristão, por mais que tenha sim bons conselhos, não pode servir de cerne moral, isto é, diante das proposições acima citadas, isto seria uma afronta a decência humana, ademais, será que antes dele não possuíamos uma noção de fraternidade e dignidade humana? Tínhamos sim. É que, na natureza, isto se revela – como em quase totalidade dos casos – não como algo altruísta antes como um mutualismo fruto da nossa inteligência -, ser fraterno, preservar a dignidade do outro antes de uma boa atitude é uma necessidade, sobretudo, foi parte do nosso conjunto de atitudes que nos proporcionou sobreviver e evoluir ante o processo de seleção natural. Ser fraterno, preservar a dignidade do outro, cria uma comunidade forte, capaz de resistir as agruras de uma época em que a competição pela vida era muito severa e dependia de uma união da espécie, sob pena de engendrar sua extinção. O pequeno pássaro que limpa a bocarra do jacaré, os lobos que tornaram-se animais domésticos seguindo tribos humanas, enfim, melhor do que eu para explanar a relação de mutualismo, seria um biólogo, portanto, me valho da contribuição de um amigo que estuda no ramo:

''na natureza não existe altruísmo'', sempre teremos o mutualismo onde ambas espécies se beneficiam da relação, mas nunca existirão relações por bondade sem ter alguém sendo de fato beneficiado, direta ou indiretamente. Várias espécies evoluiram em conjunto com outras, por exemplo, polinizadores (flores e beija-flores, seus bicos mais longos ou curtos, variando com a flor que ele forrageia) e várias espécies de plantas disponibilizam néctar para seus polinizadores ''ahhh que lindo a plantinha da néctar pro bichinho'' NÃO, produzir néctar é caro para a planta e ela não o faria se não tivesse o interesse de se reproduzir, o inseto muitas vezes nem sabe que esta carregando pólen de uma planta pra outra, ''ajudando'' a planta. O velho e mais batido exemplo de mutualismo, pássaro palito e o jacaré, oras o pássaro palito não limpa os dentes do jacaré porque ele é bonzinho, ele o faz porque é mais fácil ficar na boca cheia de dente sujo do jacaré do que caçar seu alimento que exige um dispêndio energético muito grande por sinal, então ele come os restos que encontra ali. A bondade seria algo do ser humano, com seu telencéfalo altamente desenvolvido e seu polegar opositor, mas como ele não é evoluído o suficiente para fazer isso... (Vinicius Cardoso)

Podemos continuar achando que, certo momento decidimos mudar nosso posicionamento acerca da dignidade humana e fraternidade através de ideário de um livro qualquer? Ser fraterno, enxergar o ser humano com um fim em si mesmo, considerar a dignidade do próximo, tudo isto não está contido em virtudes altruísticas, antes, é uma necessidade.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Artigo - Direito Constitucional

OS PRESSUPOSTOS DO ATIVISMO JUDICIAL

Adriano de Oliveira Martins, mestrando do Univem
João Pedro de Oliveira Borges, acadêmico do Univem

Palavras-chave: 1.Políticas públicas 2. Ativismo judicial 3. Harmonia de poderes

RESUMO

Tem o presente o objetivo de expor do que se trata o conceito do ativismo judicial, de delinear onde principalmente se pode observar um comportamento ativista judicial mais intenso em nosso país e os porquês dessa proposição, sobretudo, procura-se destacar quais são os prós e os contras de um comportamento ativista no judiciário, delineando as principais correntes de pensamento acerca do tema e fazendo uma crítica a cada uma delas, ressaltando as principais características que devem ser observadas quando da valoração causa e efeito, custo e benefício em relação ao ativismo judicial. Conforme compreende-se o valor deste conceito, em um segundo momento busca-se a exegese dos seus pressupostos, bem como tecer uma crítica a respeito da forma errônea que se compreende o malefício do conceito no tocante a abordagem de sua natureza, sobretudo, em se tratando de uma resolução para a desarmonia causada pelo seu exercício e, por fim, procura-se responder as principais indagações que se formam a respeito da temática visando enxergar as resoluções possíveis, melhorando assim a compreensão sobre o tema que atualmente é pouco discutido.


INTRODUÇÃO

Consoante o ideário iluminista que outrora se desenvolveu no seio do velho mundo, no Brasil, certa vez, com fulcro na construção de uma conjuntura de valores que tem como principal endosso o pensamento racional e humanista e, neste sentido, de acordo com Kant:

"O Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento, mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é o lema do Iluminismo".[1]

 Assim, inspirados por esses ideais, os políticos que compunham determinada assembléia constituinte criaram o Estado democrático de Direito, isto é, uma nova gama de direitos e deveres surgiu para delinear o “dever ser” da realidade brasileira. Diz-se delinear o “dever ser”, pois, em muitos aspectos a carta constitucional não reflete diretamente como deveras é a realidade do nosso país, mas reflete como ela deve ser.
De somenos importância para o que ora busca-se inferir, mas principalmente como ponto de partida para a formação do que proposto, faz-se necessário o entendimento desta lição Kantiana, de que a não compreensão do Direito como uma ciência do “dever ser”, surge como um dos principais motivos pelo qual perde-se o norte em determinados apontamentos e determinadas decisões, uma vez que sabemos que o conteúdo que compõe nosso ordenamento jurídico algumas vezes destoa da realidade, porquanto dita como ela deve ser e, desta forma, fica mais fácil enxergar os pressupostos inerentes às nossas leis positivadas. Quando ouvimos alguém dizer que algo que está na Constituição não condiz com o que está sendo experimentado, em um primeiro momento poderíamos pensar que trata-se de uma incoerência, afinal, é dali que surge o cerne de todo nosso ordenamento jurídico, portanto, quando se ouve alguém dizendo que “A Constituição diz que homens e mulheres tem direitos e obrigações iguais, mas vejo que muitas vezes a realidade é diferente”, quando alguém faz esse tipo de questionamento, de reclamo, em verdade revela-se que o que é querido é a consonância da realidade com o que está disposto na carta constitucional, o que é querido é que exista efetividade. Essa efetividade querida, essa necessidade, vem através de diversos mecanismos criados para acompanhar o dinamismo da sociedade, portanto, levando em consideração que o Direito é a disciplina da convivência humana, também dinâmico, há que se sopesar que muitas vezes existam falhas, impossibilidades de trazer de uma forma justa e efetiva a adequação da norma a realidade.
Quando esta necessidade de criação e modificação da norma positivada torna-se necessária a teoria nos diz que quem tem o dever de criar ou modificar a norma é o poder legislativo, herança da divisão ternária proposta pelo barão de Montesquieu e, ainda, há quem diga que quando do uso desta função de legislador por outra parcela dos três poderes, ocorre invariavelmente desequilíbrio, existindo correntes de pensamento no sentido de quem acredita ser intrínseca ao legislativo esta função, jamais podendo existir o proceder desta por outra parcela do poder, sob pena de um endosso a insegurança jurídica, também há quem diga que o ideal seria o uso comedido desta proposição ressalvado o que a carta constitucional já dispõe e, por fim, no sentido de que, em verdade, o proceder de legislador exercido por outra parcela de poder não é prejudicial e somente tem trazido benefícios eis que a situação do nosso poder legislativo atualmente configura-se numa distopia. A título de exemplo, quem comunga dessa primeira corrente supracitada e diz ser o ativismo judicial prejudicial, independentemente da benesse alcançada, temos o professor Elival da Silva Ramos, que pontua em entrevista ao Conjur:

ConJur - O ativismo é de todo ruim, então?
Silva Ramos - Pode ser positivo quando a jurisprudência ou a legislação está defasada em relação aos fatos e surge uma interpretação criativa, mas de uma norma já existente. Nesse caso, pode e é bastante importante, mas eu não chamo isso de ativismo. Chamo de interpretação criativa, mas presa aos parâmetros normativos. Ativismo é quando o tribunal ultrapassa o limite do texto normativo e passa a criar. Existe um equilíbrio entre a norma e interpretação, que é rompido pelo ativismo.[2]

Em seguida, a respeito da indiferença ante as decisões tomadas pelo supremo e a não dependência deste mérito com a conjuntura deletéria de desarmonia entre os poderes:

ConJur - O senhor não acha que, com a postura ativista, o STF criou soluções justas?
Silva Ramos - Não estou discutindo o mérito. Há uma série de normas que seriam boas para o país, mas que dependem da intervenção do legislador. O Judiciário está na verdade substituindo o Congresso e isto é ruim independente do resultado. O Legislativo, que já se sentia de um lado pressionado pelas medidas provisórias, que tomam o poder da casa em grande parte, agora tem o ativismo do STF. O Congresso fica, então, completamente afogado por duas tendências: uma do Executivo de legislar e outra do Judiciário.[3]

A respeito de uma síntese quanto à resolução e necessidade de apreciação dos direitos constitucionais:

ConJur — Como tornar efetivo, então, direitos constitucionais carentes de regulamentação?
Silva Ramos - Só dando ao Legislativo mais eficiência, e não simplesmente destruindo. Não se pode aceitar o ativismo como uma coisa normal. No caso do nepotismo, por exemplo, é um problema gravíssimo que precisa de lei. A solução não pode vir de uma súmula. Todo mundo está de acordo que ninguém deve ser beneficiado na administração por ser parente. A solução do STF, como qualquer outra, está sujeita a interpretação. Diz que é nepotismo nomear e beneficiar parentes até terceiro grau na linha colateral. Significa que nomear um sobrinho ou um tio é nepotismo, nomear um primo-irmão não é nepotismo. Então, como é que vamos explicar em sala de aula que fere a moralidade administrativa nomear sobrinho, mas não nomear primo? [4]

Noutro sentido, Luís Roberto Barroso, partilha da corrente de pensamento de quem acredita ser o ativismo uma solução parcial somente ressalvando que, em verdade, necessitamos de uma reforma política para resolução da problemática imposta e conseqüente harmonia dos poderes:

Uma nota final: o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes.[5]

Deixando um pouco de lado qual corrente tem mais compromisso com o pragmatismo e a dignidade da pessoa humana, parâmetros que sempre devem ser levados em consideração antes de qualquer reflexão dentro do Direito, é necessário dizer que muito do que ocorre quando falamos a respeito do ativismo judicial se deve ao fato do poder constituinte, quando do fixar de alguns direitos na Constituição, não dizer como eles deveriam ser fruídos, isto é, neste diapasão, infere-se que o legislador determinadas vezes se omitiu de fazer leis regulamentadoras e complementares, quando não, propriamente a norma em si sobre determinada proposição, enfim, facilitando a compreensão do que proposto e evitando maiores controvérsias, neste sentido, verificado esta lacuna, seria mais acertado permitir que esses direitos não fossem fruídos pela omissão ou mesmo a inércia do legislador? Não somente não seria acertado como não é permitido, eis que verificado a mora legislativa, seja por impossibilidade ou, infelizmente, desinteresse, a lacuna deve ser preenchida conforme o disposto no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e artigo 126 do Código de Processo Civil, respectivamente:

Art. 4o - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 126 - O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. (Alterado pela L-005.925-1973)

No entanto, falamos principalmente de criação e não de interpretação, segundo Eduardo Appio:

O ativismo judiciário significa, em breve síntese, que juízes não eleitos diretamente pela população trazem para si a incumbência de decidir questões tradicionalmente afetas aos demais Poderes da República. Assim, o fenômeno da “judicialização da política” traz em seu interior a possibilidade de que decisões sobre políticas públicas sejam tomadas por aqueles que não foram eleitos para esta importante missão. Em meio a um processo eleitoral nacional, o tema é assaz relevante.[6]

E segue pontuando episódios que ocorreram em outra nação tornando possível observar onde houve benesse e onde houve retrocesso:

Nos Estados Unidos, o ativismo judiciário foi o responsável pelos maiores acertos — e também pelos maiores erros — históricos da Suprema Corte. No início do século XX (Lochner v. New York – 1905) a Suprema Corte dos Estados Unidos, à revelia dos ramos eleitos pela população, ainda durante a Era Roosevelt, declarou inconstitucionais reformas sociais que se mostravam indispensáveis à recuperação econômica do país, após a quebra da Bolsa de NY. Para muitos, esta (ativista) decisão da Suprema Corte foi um dos maiores erros judiciários da história do país.
Já em 1954 (Brown v. Board of Education) a mesma Suprema Corte colocou um fim à segregação racial nas escolas públicas estaduais do país, também através de uma decisão ativista, naquele que é considerado um verdadeiro ícone da boa interpretação constitucional. Graças à decisão tomada em Brown, a Suprema Corte dos Estados Unidos teve as condições políticas necessárias para decidir casos altamente polêmicos, como a regulação do aborto no país e a proteção das mulheres no mercado-de-trabalho. O ativismo judicial pode assumir um colorido progressista ou conservador.[7]

Quando da construção reflexiva a respeito do tema ativismo judicial faz-se necessário colocar na balança diversos fatores e o que torna mais difícil esta tarefa é que ambos os lados parecem equiparar-se ante a realidade dos fatos, se por um lado existe desarmonia entre os três poderes e desconsideração, pode-se dizer, de um proceder democrático, por outro existe toda benesse causada pelas boas decisões tomadas pelo Supremo, pela celeridade com que foram concedidos direitos que até então eram ignorados, onde não havia nem previsão de quando seriam ao menos discutidos e, principalmente, a situação de descrédito que passa nosso poder legislativo, por isso, como bem pontuado pelo professor Elival, não existe a sanha de discutir o mérito, mas é necessário entender que o ativismo judicial, não pode ser visto como uma solução, o erro a ser corrigido encontra-se dentro do nosso poder legislativo.

PONTOS E CONTRAPONTOS

Existem muitos argumentos em desfavor do ativismo judicial, tanto quanto existem argumentos que exaltam sua benesse, a bem da verdade antes de tecer quais são os principais pontos e contrapontos a respeito do tema é necessário esclarecer que na grande maioria das vezes a atitude, principalmente do supremo, é justa, pois, em demasiados casos o Estado se beneficia de sua própria torpeza. Malgrado os ministros tenham consciência da desarmonia causada pelo proceder ativista, em determinados casos eximir-se de julgar significaria fechar os olhos para a tutela de direitos, por vezes, fundamentais.
Sobre a omissão do Estado em cumprir suas obrigações, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, no seu recente voto a respeito do pedido de indenização da fenajufe contra o Estado de São Paulo, aduz que:

“…impõe-se o contorcionismo técnico para salvar as finanças públicas, mas este é o papel do Tribunal Constitucional? A resposta só pode ser negativa. O Supremo tornou esse enfoque claro ao apreciar casos envolvendo a colisão entre direitos fundamentais, que ficariam submetidos à ineficácia por argumentos de índole financeira. Faço referência a decisões que resultaram no deferimento de coquetéis para tratamento da Aids, direito à matrícula em creche, direito a tratamentos médicos e internação hospitalar – vejam, por exemplo, os acórdãos relativos ao Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 271.286-8/RS, ao Recurso Extraordinário nº 436.996-6/SP, ambos relatados pelo Ministro Celso de Mello, ao Recurso Extraordinário nº 226.835-6/RS, relatado pelo Ministro Ilmar Galvão. Invariavelmente, este Tribunal tem assentado a plena eficácia da Carta, colocando em segundo plano considerações pragmáticas…” [8]

Neste caso, não se pode afirmar, mas ao que parece em alguns casos existe o desinteresse do Estado em legislar com intuito de salvar finanças públicas, deste modo, invariavelmente, acaba ceifando o direito de muitas pessoas que, justamente, recorreram ao judiciário para obterem o que de direito, assim, poderia o Supremo eximir-se de julgar? De criar, para que essas pessoas obtenham o que pressuposto ao espírito da nossa Constituição Federal? Bem da verdade a própria carta estabelece a necessidade, neste caso, de criação de lei para o ajuste dos vencimentos dos servidores, mas existem inúmeras outras hipóteses, será que, por exemplo, o caso da desaposentação, seria apreciado pelo legislativo em tempo hábil para garantir os direitos das pessoas sujeitas aos efeitos desta conjuntura? Será que algumas minorias como as pessoas sem condição de arcar com o custo dos coquetéis para tratamento da Aids, veriam surgir seu direito do legislativo a tempo? E os homoafetivos, teriam seus direitos de família, previdenciários, apreciados? Os índios, os judeus, as mulheres que estão gerando uma criança que nascerá sem cérebro, como estava ou está a pauta para discussão a respeito destas temáticas no âmbito do poder legislativo?
Os fins nunca vão justificar os meios, como bem salientou o magistrado Eduardo Appio em seus apontamentos supracitados, é necessário sopesar mais uma vez que o ativismo judicial tem que ser considerado algo anômalo e sem dúvidas que ele causa desarmonia, mas a conjuntura política do nosso país, antes de mais nada, tem obrigado nossos operadores de direito a tomar esse tipo de atitude em prol da dignidade da pessoa humana. Contudo, dentro de um tribunal a paixão não pode subjugar a razão, neste sentido lembra Luís Roberto Barroso que colaciona uma colocação do ex-ministro Eros Grau.

Na outra face da moeda, a transferência do debate público para o Judiciário traz uma dose excessiva de politização dos tribunais, dando lugar a paixões em um ambiente que deve ser presidido pela razão. [9]

Exemplo emblemático de debate apaixonado foi o que envolveu o processo de extradição do exmilitante da esquerda italiana Cesare Battisti. Na ocasião, assinalou o Ministro Eros Grau: "Parece que não há condições no tribunal de um ouvir o outro, dada a paixão que tem presidido o julgamento deste caso". Sobre o ponto, v. Felipe Recondo e Mariângela Galluci, Caso Battisti expõe crise no STF. In: Estado de São Paulo, 22.11.2009.[10]

Infelizmente a realidade da situação em que se encontra o nosso poder legislativo tende a demonstrar que se fossemos esperar por uma atitude, invariavelmente veríamos todos esses casos sem a tutela estatal. É outro que não este o motivo do presente, mas é necessário demonstrar os porquês desta conjuntura deletéria, fica aqui salientado que é difícil esperar de, infelizmente, um conjunto onde a maioria consiste em apedeutas diplomados, uma solução digna para a omissão do Estado em legislar. De somenos importância pontuar aqui o valor incontestável da democracia, que também é um ponto a respeito da corrente contra o ativismo judicial, mas talvez uma tentativa como a PEC 3/11 que visa sustar os atos normativos do poder judiciário que vão além do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa, revele o erro de compreensão de alguns integrantes do legislativo sobre o que seria uma solução para o fim ou mesmo o equilíbrio no tocante ao ativismo judicial, ora, se este surge pela inércia do legislativo uma solução seria refletir sobre prioridades e celeridade, sobre os porquês da incompetência no tocante ao proceder legislativo suficiente para atender as necessidades da sociedade, pensar de outra forma apenas colocaria a temática em um looping infinito.
Sobre a responsabilidade inerente as políticas públicas propostas pelo Estado, conclui o ministro Marco Aurélio:

Cabe aos poderes constituídos agir com responsabilidade, e não simplesmente jogar para o Supremo o ônus de impedir que as promessas políticas inconsequentes tornem-se realidades desastrosas. O Supremo não é o Ministério da Fazenda ou o Banco Central do Brasil. Não compete ao Tribunal fazer contas quando está em jogo o Direito, mais ainda quando se trata do direito constitucional…” [11]

Neste sentido, vale lembrar que como guardião da Constituição Federal, o STF não pode deixar que não se cumpram os direitos fundamentais inerentes ao ser humano, malgrado como destacou Eros Grau, por vezes, existe sim uma impulsão emocional nas decisões, mas por outro lado existe o princípio da inafastabilidade do poder judiciário e os dispositivos de lei que asseveram que o judiciário é sempre obrigado a dar uma solução a lide existente, ocorre que muitas vezes também não existe a visão; e isto não é caso de julgar errôneo o proceder, mas sim admitir que nossos operadores do direito não tem possibilidade de ter uma macrovisão, um conhecimento sobre todas as coisas, isto é, muitas vezes um ato que parece ser acertado, como, por exemplo, o fornecimento de tratamento, de remédios antes negados pela via administrativa, resolve o problema no caso concreto, garante um direito fundamental, mas talvez esse ato reiterado tenha um impacto no orçamento da saúde, talvez cause escassez neste setor de política pública:

Exemplo emblemático nessa matéria tem sido o setor de saúde. Ao lado de intervenções necessárias e meritórias, tem havido uma profusão de decisões extravagantes ou emocionais em matéria de medicamentos e terapias, que põem em risco a própria continuidade das políticas públicas de saúde, desorganizando a atividade administrativa e comprometendo a alocação dos escassos recursos públicos. Sobre o tema, v. Luís Roberto Barroso, Da falta de efetividade à constitucionalização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: Temas de direito constitucional, tomo IV, 2009 [12]

Vejamos, aqui surge outro contraponto, pois, admitir que o Estado não possui recursos suficientes para tornar, por exemplo, as políticas públicas de saúde eficientes a ponto de abranger todas essas necessidades, que tem de ser suprimidas para dar continuidade aos benefícios já existentes, é fechar os olhos para a realidade dos fatos em alguns aspectos, pois, sabemos que o Brasil é um país que tem sim possibilidade de proporcionar aos seus habitantes uma boa qualidade de vida, talvez, melhor do que a de muitos outros países mais desenvolvidos, acontece que nossa situação é de calamidade, sobretudo no tocante à corrupção e desperdício. Portanto, conclui-se que existem diversos pontos de vista, existem diversos pontos e contrapontos acerca do tema ativismo judicial, bem como a respeito da natureza do magistrado ou da corte que tem comportamento ativista, nesse primeiro momento onde ainda pouco se discutiu a este respeito, acreditamos ser precipitada a tomada de posição sobre a temática proposta tendo em vista que ambos argumentos a favor e contra são compreensíveis, mas o que resta insofismável, como já dito anteriormente, é que não existe dúvida quanto ao que deve ser feito para vislumbrar uma solução, isto é, uma reforma política. Quanto a deferência que deve observada pelo poder judiciário no tocante ao seu proceder aduz Luís Roberto Barroso:

No tocante à capacidade institucional e aos efeitos sistêmicos, o Judiciário deverá verificar se, em relação à matéria tratada, se um outro Poder, órgão ou entidade não teria melhor qualificação para decidir. Por exemplo: o traçado de uma estrada, a ocorrência ou não de concentração econômica ou as medidas de segurança para transporte de gás são questões que envolvem conhecimento específico e discricionariedade técnica. Em matérias como essas, em regra, a posição do Judiciário deverá ser a de deferência para com as valorações feitas pela instância especializada, desde que possuam razoabilidade e tenham observado o procedimento adequado. Naturalmente, se houver um direito fundamental sendo vulnerado ou clara afronta a alguma outra norma constitucional, o quadro se modifica. Deferência não significa abdicação de competência.[13]

O modelo político que temos hoje é retrógrado, não é de surpreender que existam falhas no proceder do nosso legislativo, alguém poderia dizer que isto se dá principalmente por vilania, mas prefiro analisar esta proposição levando em consideração a lâmina de Hanlon, que prega: “Nunca atribua malícia ao que pode ser adequadamente explicado por incompetência”, procurando evitar maiores divagações, torna-se necessário deixar nítido que na medida em que somente destaca-se uma possível solução à problemática proposta e não se discerne que uma mudança dessa categoria se dá aos poucos, encontramos ineficácia, portanto, é medida salutar destacar que alguns pontos devem ser observados no tocante ao equilíbrio necessário a um comportamento ativista, onde estão os limites da jurisdição constitucional, conforme leciona Luís Roberto Barroso:

A jurisdição constitucional pode não ser um componente indispensável do constitucionalismo democrático, mas tem servido bem à causa, de uma maneira geral. Ela é um espaço de legitimação discursiva ou argumentativa das decisões políticas que coexiste com a legitimação majoritária, servindo-lhe de “contraponto e complemento”. Isso se torna especialmente verdadeiro em países de redemocratização mais recente, como o Brasil, onde o amadurecimento institucional ainda se encontra em curso, enfrentando uma tradição de hegemonia do Executivo e uma persistente fragilidade do sistema representativo.
As constituições contemporâneas, como já se assinalou, desempenham dois grandes papéis: (i) o de condensar os valores políticos nucleares da sociedade, os consensos mínimos quanto a suas instituições e quanto aos direitos fundamentais nela consagrados; e (ii) o de disciplinar o processo político democrático, propiciando o governo da maioria, a participação da minoria e a alternância no poder. Pois este é o grande papel de um tribunal constitucional, do Supremo Tribunal Federal, no caso brasileiro: proteger e promover os direitos fundamentais, bem como resguardar as regras do jogo democrático. Eventual atuação contramajoritária do Judiciário em defesa dos elementos essenciais da Constituição se dará a favor e não contra a democracia.[14]

E arremata:

Nas demais situações – isto é, quando não estejam em jogo os direitos fundamentais ou os procedimentos democráticos –, juízes e tribunais devem acatar as escolhas legítimas feitas pelo legislador, assim como ser deferentes com o exercício razoável de discricionariedade pelo administrador, abstendo-se de sobrepor-lhes sua própria valoração política. Isso deve ser feito não só por razões ligadas à legitimidade democrática, como também em atenção às capacidades institucionais dos órgãos judiciários e sua impossibilidade de prever e administrar os efeitos sistêmicos das decisões proferidas em casos individuais. Os membros do Judiciário não devem presumir demais de si próprios – como ninguém deve, aliás, nessa vida –, supondo-se experts em todas as matérias. Por fim, o fato de a última palavra acerca da interpretação da Constituição ser do Judiciário não o transforma no único – nem no principal – foro de debate e de reconhecimento da vontade constitucional a cada tempo. A jurisdição constitucional não deve suprimir nem oprimir a voz das ruas, o movimento social, os canais de expressão da sociedade. Nunca é demais lembrar que o poder emana do povo, não dos juízes. [15]

E aqui pretendemos destacar a última controvérsia quanto ao que exposto, pois bem, evidente que não é dos juízes que emana o poder, não podemos desconsiderar os anos de luta travados para um perfeito e harmônico regime de governo baseado no legado grego da democracia, bem como desconsiderar a exegese do conceito do porque se faz uma divisão de poder, acreditamos que também não podemos considerar outro regime que não um democrático ante a conjuntura inerente ao ser humano, que das várias idiossincrasias observáveis podemos destacar, no geral, um vultoso ego e uma tendência astronômica ao bairrismo e a preconceitos em geral, sendo que são raras as figuras humanas que passaram por esta vida sem que de uma forma ou de outra fosse visto algumas dessas características manifestas, portanto, é imprescindível que tenhamos um proceder democrático, sobretudo no tocante a feitura, interpretação e valoração de nossas leis, mas é necessário compreender que não adianta simplesmente apontar os erros existentes no âmbito do legislativo e do judiciário, ainda, a recorrente desaprovação sobre a conduta de nossos parlamentares, sem levar em conta que os políticos brasileiros vem de lares brasileiros, escolas brasileiras, tiveram uma educação à brasileira, bem da verdade em sua maioria não vivem uma vida à brasileira, mas o ponto é que somos uma nação doente, e o estado que se encontra nosso poder legislativo é somente um reflexo desta proposição.
Não é raro observar alguns sujeitos que apontam a corrupção na política não hesitarem em usar diversos subterfúgios, tidos muitas vezes como inocentes na nossa cultura, para auferir vantagens no dia a dia, o Brasil tem esse câncer cultural que há muito tem travado nosso desenvolvimento, em alguns países as urnas ficam nas ruas, sem maiores rigores de fiscalização, o governo devolve parte do pagamento dos impostos quando o objetivo foi cumprido e não há necessidade do uso do valor total, ou ao menos converte o valor sobressalente no pagamento de energia, água, enfim, não é difícil conceber por que estamos onde estamos, nosso país ainda é adolescente se levarmos em conta o tempo e a forma de desenvolvimento de muitas outras nações, ainda temos muito que aprender, mas se observado com um olhar um pouco mais reflexivo a conjuntura atual assusta, se antes tínhamos grandes discussões, sejam políticas, econômicas, ideológicas, hoje vemos esse mesmo povo com o senso crítico apagado, sem vontade de mudança, apenas seguindo em frente e esperando que o contexto de suas vidas não piore. Muitas de nossas mazelas são enervantes, mas são rapidamente esquecidas, geralmente acortinadas por pão e circo, neste sentido, convém lembrarmos-nos dos apontamentos de um dos pensadores que mais primava por está crítica às cadeias intelectuais do povo:

É muito próprio do vulgo, mormente o que pulula nas cidades, desconfiar de quem o estima e ser ingênuo para com aqueles que o enganam. Atrair o pássaro com o apito ou o peixe com a isca do anzol é mais difícil que atrair o povo para a servidão, pois basta passar-lhes junto à boca um engodo insignificante.
É espantoso como eles se deixam levar pelas cócegas. Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, as feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engodos da servidão, preço da liberdade, instrumentos da tirania. Deste meio, desta prática, destes engodos se serviam os tiranos para manterem os antigos súditos sob o jugo. Os povos, assim ludibriados, achavam bonitos estes passatempos, divertiam-se com o vão prazer que lhes passava diante dos olhos e habituavam-se a servir com simplicidade igual, se bem que mais nociva, à das crianças que aprendem a ler atraídas pelas figuras coloridas dos livros iluminados.
Os tiranos romanos decretaram também na celebração freqüente das decenálias públicas, para as quais atraiam a canalha que põe acima de tudo os prazeres da boca. Nem o mais esclarecido de todos eles trocaria a malga da sopa pela liberdade da república de Platão. Os tiranos ofereciam o quarto de trigo, o sesteiro de vinho e o sestércio. E os vivas ao rei eram então coisa triste de ouvir. Não davam conta, os néscios, de que recuperavam dessa forma parte do que era seu e que não podia o tirano dar-lhes coisa que não lhes tivesse furtado antes. O que hoje ganhava o sestércio, o que se fartava de comer no festim público, louvando a grande liberalidade de Tibério e Nero, era no dia seguinte obrigado a entregar os seus haveres à avareza, os filhos da luxúria e o próprio sangue à crueldade daqueles magníficos imperadores, e fazia-o sem dizer palavra, mudo como uma pedra, quedo como um cepo. O povo sempre foi assim…[16]

JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO JUDICIAL

Judicialização significa uma aproximação entre jurisdição e política, onde surge a resolução pelo judiciário de questões de cunho político ou social, resolução que, a rigor, deveria tradicionalmente ser feita por outras instancias do poder, isto é, congresso nacional e, por vezes, pelo poder executivo.
Consoante descreve Luís Roberto Barroso:

Judicialização significa que algumas questões de  larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas  instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios  e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro. A seguir, uma tentativa de sistematização da matéria.[17]

O ativismo judicial tem sentido semelhante, mas é diverso, basicamente pode-se dizer que quando trata-se de necessidade, caso em que pelo modelo constitucional adotado o judiciário deve agir, cunha-se de judicialização e quando se trata de vontade, de um comportamento proativo cunha-se ativismo judicial, no entanto, dado o fato que, nas devidas proporções, poderíamos considerar que uma atitude proativa ante a conjuntura que vivemos é uma necessidade, na ausência do rigor técnico restaria apenas a necessidade desta diferenciação para evitar a confusão com o significado dos termos. Ainda utilizando da excelente didática de Luís Roberto Barroso, infere-se que:

A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, freqüentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. [18]

Portanto, verifica-se que ao se falar de ativismo existe uma maior abrangência, sobretudo, há que se falar em vontade, em escolha, quando se fala em judicialização o tribunal não tem escolha de conhecer ou não da ação intentada, somente sendo necessário o preenchimento dos requisitos para apreciação do pleito.

CONCLUSÕES FINAIS

Ativismo judicial consiste na invasão da competência do legislativo pelo judiciário, é um comportamento anômalo que tem sido observado, sobretudo em nossa suprema corte, e assim deverá sempre ser considerado, anômalo, pois independentemente do impasse que se possa observar entre os prós e os contras que surgem ante a sua valoração, o equilíbrio entre os poderes é algo que deve ser prezado sob pena de perpetuar uma desarmonia que, no mais, pode se tornar excessivamente deletéria causando insegurança jurídica e a perda de nossa essência democrática. Devemos nos acautelar a respeito da necessidade de cobrança ao nosso poder legislativo no tocante ao cumprimento de suas funções, pois não é outro motivo que não a omissão do poder legislativo, muitas vezes o desinteresse e o descumprimento do dever do Estado em legislar que da azo a este fenômeno chamado ativismo judicial.
Na qualidade de guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, não somente o supremo, mas todo o poder judiciário que, invariavelmente, deve obedecer as normas constitucionais, não pode se furtar de prezar pelo espírito fraterno que inspirou o poder constituinte, a feitura de nossa carta constitucional, isto é, malgrado a emoção não possa sobrepujar a razão dentro de nossos tribunais é necessário ater-se ao fato de que em sua essência, nossa Constituição Federal possui um caráter fraternal e não permite que não sejam observados os direitos fundamentais nela dispostos, portanto, não é o caso de julgar a conjunto pelo conjunto, é necessário observar os pressupostos que existiram para caracterização do ativismo judicial, portanto, procurar resolver o problema pela sua raiz.
Não é razoável que seja desmantelado todo o proceder do supremo apenas sob o argumento de que este invade a competência do legislativo, em verdade devem ser tomadas as providências necessárias no tocante ao restabelecimento do crédito do nosso poder legislativo, sobretudo o proceder dos nossos parlamentares, referida ação não poderia ser feita de outro modo que não através de uma reforma política, no entanto, os pressupostos para algo do gênero tem de sair do seio do povo, tem que ser uma ambição verdadeira do povo brasileiro, não basta a mera constatação de descrédito e desserviço do poder legislativo, pois, quem ali está, ainda que de alguma forma, indiretamente, assim está através de uma procedimento democrático e a herança da democracia não podemos rejeitar de modo algum, em verdade a luta não deveria ser propriamente contra a corrupção, contra a ganância, contra o desperdício, acreditamos que a luta maior é não deixar que toda essa conjuntura exista sem que verdadeiramente o povo tenha condições de refletir a respeito, de considerar as variáveis e ter a possibilidade de valorá-las adequadamente, o ativismo judicial, infelizmente, é uma consequência da incapacidade do povo brasileiro de eleger adequadamente seus líderes.

BIBLIOGRAFIA

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[1] Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Iluminismo. Acessado em 19/07/11
[2] RAMOS, Elival da Silva – Democracia desequilibrada – “O ativismo é ruim independentemente do resultado” - Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-ago-01/entrevista-elival-silva-ramos-procurador-estado-sao-paulo. Acessado em: 20/07/11.
[3] RAMOS, Elival da Silva – Democracia desequilibrada – “O ativismo é ruim independentemente do resultado” - Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-ago-01/entrevista-elival-silva-ramos-procurador-estado-sao-paulo. Acessado em: 20/07/11.

[4] RAMOS, Elival da Silva – Democracia desequilibrada – “O ativismo é ruim independentemente do resultado” - Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-ago-01/entrevista-elival-silva-ramos-procurador-estado-sao-paulo. Acessado em: 20/07/11.
[5] BARROSO, Luís Roberto, Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. – Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20090130-01.pdf. Disponível em: 22/07/11
[6] APPIO, Eduardo, Nepotismo: em uma democracia os fins nunca justificam os meios. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2008-ago-24/democracia_fins_nunca_justificam_meios. Acessado em: 20/07/11
[7] APPIO, Eduardo, Nepotismo: em uma democracia os fins nunca justificam os meios. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2008-ago-24/democracia_fins_nunca_justificam_meios. Acessado em: 20/07/11
[8] STF, RE 585.089. Disponível em: www.stf.jus.br. Acessado em: 19/07/11

[9] BARROSO, Luís Roberto, Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo, disponível em: http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/constituicao_democracia_e_supremacia_judicial_11032010.pdf. Acessado em: 21/07/11.
[10] BARROSO, Luís Roberto, Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo, disponível em: http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/constituicao_democracia_e_supremacia_judicial_11032010.pdf. Acessado em: 21/07/11

[11] STF, RE 585.089. Disponível em: www.stf.jus.br. Acessado em: 19/07/11
[12] BARROSO, Luís Roberto, Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo, disponível em: http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/constituicao_democracia_e_supremacia_judicial_11032010.pdf. Acessado em: 22/07/11

[13] BARROSO, Luís Roberto, Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. – Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20090130-01.pdf. Disponível em: 22/07/11.
[14] BARROSO, Luís Roberto, Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo, disponível em: http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/constituicao_democracia_e_supremacia_judicial_11032010.pdf. Acessado em: 21/07/11
[15] BARROSO, Luís Roberto, Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo, disponível em: http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/constituicao_democracia_e_supremacia_judicial_11032010.pdf. Acessado em: 21/07/11
[16] LA BOÉTIE , Etienne de – Discurso da Servidão voluntária – Martin Claret, pg. 19.
[17] BARROSO, Luís Roberto, Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. – Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20090130-01.pdf. Disponível em: 22/07/11.

[18] BARROSO, Luís Roberto, Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. – Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20090130-01.pdf. Disponível em: 22/07/11.